A moda como instrumento de transformação social, mais do que criação de peças de vestuário

Maiani Gontijo *

A estilista goiana Naya Violeta, conhecida por unir moda e política em suas criações, inaugurou em São Paulo, o acervo oficial de sua marca. O espaço, localizado na Ocupação 9 de Julho, no centro da cidade, reforça a proposta da estilista de tornar a moda mais acessível, inclusiva e conectada com sua ancestralidade e identidade afro-brasileira.

O Vestido é político

Em entrevista com a Pulsar Brasil, Naya vê na moda um instrumento de transformação social, mais do que criar peças de vestuário. “Acho que o vestido é político. Desde que ganhei minha primeira roupa estampada do meu pai, que era político, eu vi que a roupa carrega uma imagem, uma energia. Meu pai e minha mãe sempre foram coloridos, tinham essa energia de festa, e isso me marcou”.

“Quando sou convidada para ser uma comendadora, para encontrar outras mulheres negras, eu penso: como vou vestir essa roupa? A roupa que eu crio na Naya Violeta tem história, tem afeto, tem mãos que a construíram”, reflete a estilista.

Ocupação 9 de julho

A escolha da Ocupação 9 de Julho como local para a inauguração tem um forte simbolismo. O espaço, que abriga um movimento de luta por moradia, já era um ambiente de conexão para a marca. “A Preta Ferreira é minha madrinha, ela desfilou para a nossa primeira São Paulo Fashion Week.

A conexão com esse espaço é uma conexão de vida, de ancestralidade. Foi a Preta que me apresentou um São Paulo que tem comida orgânica, roda de samba, abraço, afeto, mulheres bordando e uma energia de moradia popular. Já tínhamos um acervo dentro da ocupação, um cantinho no espaço dela de residência artística. Com o tempo, fortalecemos nossa relação com o MSTC (Movimento Sem Teto do Centro) e agora temos um espaço próprio para o acervo da marca.

Mas mais do que isso: será um local para dialogar sobre moda acessível e autoral, um ponto de encontro para rodas de conversa e trocas com outras empreendedoras de Goiás e São Paulo”, explica Naya.

Mulheridade

Com modelagens fluidas, estampas autorais e uma forte referência afro-afetiva, a marca Naya Violeta já vestiu nomes como Preta Gil, Ludmilla, Luedji Luna, Liniker, Bela Gil e Andressa Suita, além de figuras políticas como as ministras Anielle Franco e Sônia Guajajara e as deputadas Érika Hilton e Paula Nunes. Para a estilista, sua marca se manifesta por meio das pessoas que veste.

“Levamos para a passarela mulheres que representam o Brasil que acreditamos: Preta Ferreira, Dona Jacira, Sônia Guajajara, Bela Gil, Érika Hilton. Isso é o que eu acredito: a fomentação da mulheridade, do Brasil e das conexões matriarcais. Minha marca veste o presente e o futuro que eu quero construir”, destaca.

A trajetória da estilista sempre esteve ligada à transformação social, desde os quintais onde cresceu até o reconhecimento no cenário da moda. “Cresci nos quintais das minhas tias costureiras, que saíram de trabalhos subalternos e começaram a costurar. Minha tia Nilda criou quatro filhos assim.

Meu tio Adailton também acreditou na costura, e foi um trabalho em conjunto: ela cortava as roupas, meus primos tiravam linha, outro vendia.

Se não fosse a costura, talvez eu estivesse hoje limpando o chão de outras pessoas. Mas foi essa arte que me levou à universidade pública, que me fez fazer parte da segunda turma de Design de Moda da UEG, me levou a uma pós-graduação e me permitiu percorrer o Brasil e o mundo fazendo o que acredito”, compartilha.

Moda, resistência e esperança

Sobre o papel dos criadores de moda na construção de discursos sociais e políticos, Naya vê sua marca como um espaço de resistência e esperança.

“Eu confio no meu público. Pessoas que compartilham valores políticos, que acreditam em um Brasil melhor. Quem veste Naya Violeta acredita no futuro coletivo, na luta antirracista ou quer aprender sobre ela. Nossa marca veste pessoas negras, mas também dialoga, abraça e dança com pessoas brancas que querem contribuir nessa luta, que é de todos nós. O Brasil é polarizado, mas é no encontro que a gente cresce”, conclui.

A inauguração do acervo oficial da Naya Violeta promete ser um marco para a moda autoral e política no Brasil. O público está convidado a conhecer esse novo espaço, tomar um café e trocar experiências sobre moda, identidade e transformação.