Como a influência das vivências familiares podem influenciar no comportamento atual e como curar padrões emocionais sem romantismo.

Diante do trinômio Família–Infância–Sucesso, provavelmente teríamos muito a dizer sobre as idealizações e expectativas parentais, e pouco a dizer sobre as imposições sociais. O conceito de família evolui constantemente e sofre influências do contexto econômico, religioso, político e social como um todo. A partir disso, entende-se que o conceito de sucesso também apresenta formatos que refletem cada época e o momento vivido pela sociedade. A infância, por sua vez, também é um conceito contextualizado e não se caracteriza apenas pela idade cronológica do indivíduo. De forma geral, pode-se dizer que a infância desempenha papel fundamental na formação do indivíduo adulto, articulando-se com os significados atribuídos à família e ao sucesso.

Durante a época moderna ocidental, no século XVIII, destacaram-se estudos sobre os aspectos da consciência infantil e as especificidades da criança, iluminando aquilo que a diferencia do adulto. Dessa forma, há várias possibilidades de compreensão da infância e da maneira como ela se relaciona intimamente com os padrões emocionais vivenciados atualmente. A pós-modernidade tem muito a contribuir, a partir de disciplinas com origens teóricas abrangentes, permitindo-nos entender que a infância é uma expressão de vida, e que não se esgota em um único conceito.

No contexto clínico-terapêutico, por exemplo, há momentos em que as crianças precisam ser acompanhadas por seus responsáveis, a fim de identificar quais sintomas parentais elas expressam como porta-vozes. Em outras palavras, busca-se entender de que modo as relações imprimem significado e direção ao desenvolvimento da criança. Mesmo quando a conexão entre os responsáveis e a criança é deficiente, ela ainda interpreta com criatividade a complexidade do ambiente familiar vivenciado. Nessa perspectiva, mesmo que a atenção familiar seja quase ausente, a infância cria intercâmbios emocionais para conseguir se expandir e, de certa forma, manter sua sobrevivência psíquica.

A base de uma estrutura emocional funcional requer reforço positivo, repetição e orientação assertiva, para que se compreendam os limites e se identifiquem sinais consistentes de aprendizagem. Esse esforço regula o contexto emocional dentro da família, bem como a capacidade dos responsáveis de se manterem emocionalmente consistentes e equilibrados. Para isso, é preciso respeitar e identificar os limites individuais, a fim de que se nutram e enriqueçam seu repertório afetivo, e, assim, encontrem estratégias hábeis para lidar com as dificuldades nas vivências sociais.

É possível afirmar, portanto, que criar um ambiente seguro, onde a aprendizagem ocorra gradualmente, é uma maneira de obter sucesso na construção da confiança e de uma comunicação de qualidade. O conjunto comunicação, confiança e autorregulação auxilia no funcionamento saudável do aparelho psíquico da criança. Isso nada tem a ver com capacitismo, e sim com o entendimento de que a criança não vem ao mundo para preencher vazios — ela é um recomeço absoluto. É um ser real, tanto quanto idealizado, e que é diferente do que idealizamos. Um recomeço que herda nossos acertos, mas também nossas faltas. Dolto (2005) refletia sobre a criança dizendo que “fala-se muito dela, mas não se fala com ela”, o que nos mostra que, na primeira infância, tudo o que sabemos sobre nós mesmos é o que dizem a nosso respeito. Se a criança for encarada apenas como um projeto de sucesso materno ou paterno, ela perde sua humanidade e sofre com sintomas de insegurança e desconfiança: a temida ansiedade de futuro.

Ainda segundo Dolto (2005), a dinâmica do aparelho psíquico infantil apresenta efeitos visíveis e perceptíveis nas relações com os outros, orientando emocionalmente os indivíduos para situações específicas em cada interação. Dolto usa a metáfora de que a infância é um quadro no qual se estampam todas as dinâmicas familiares. Infere-se, portanto, que a manutenção da conexão e dos vínculos recíprocos requer um trabalho de compreensão intergeracional, diálogo, afeto e valorização das emoções positivas, em detrimento da supervalorização de padrões e normas irreais. A diferenciação de cada personalidade repousa na necessidade de expressão individual, que começa já na infância, por meio de projeções saudáveis, e não apenas pela necessidade de agradar os projetos maternos ou paternos. Em termos gerais, agir conscientemente para agradar às expectativas dos outros, sem se expressar, é também um processo de alienação.

O conteúdo psíquico de um indivíduo vai além de um conjunto de regras, e a liberdade saudável de expressão consolida a confiança em si mesmo em relação ao meio que o envolve. Ou seja, ocorre um efeito cascata nas relações e, por suas consequências, rompe-se a vigência de padrões adoecedores — projeções. A ansiedade, por exemplo, molda vidas que se orientam por inseguranças familiares que se tornaram normativas. Dito isso, nossas heranças e nossas habilidades de autorregulação emocional são de responsabilidade recíproca entre todos os envolvidos na educação de uma criança. Compreender que empatia, amor e responsabilidade emocional não são efeitos de projeções de nossas esperanças no outro, mas sim uma permissão para que o outro seja quem precisa ser. O que tememos repetir, e o que desejamos corrigir, tem a ver com o que disseram sobre nós na infância, o que disseram para nós — e o que acolhemos e levamos para a vida adulta. E, como tudo precisa de um modelo de orientação, o sucesso e o sentido da vida passam tanto por normatizar (para moldar) quanto por transgredir (para romper). Assim, os indivíduos transformam sua própria história e, coletivamente, fazem valer padrões reais, saudáveis e adequados a cada realidade de expressão.